Agora que o tempo está imóvel, e que me sento nesta secretária gasta pelas saudades que sinto tuas, volto a escrever-te. Não sei quantas vezes já te escrevi, mas hoje o meu coração está agitado e o sal que insiste em persistir nos meus lábios intensifica-se à medida que o meu pensamento vagueia até ti.
Sabes, há um tempo tive aquilo que poderemos chamar de “dia atípico”, em que, apanhada de surpresa, te recordei em cada gesto rotineiro que fiz. Soube, de imediato que aquele não era um dia como todos os outros em que desligava o despertador, ainda ensonada, e corria para a casa de banho para tomar duche. Contava pelos dedos das mãos os dias em que tinha conseguido sorrir deste a tua partida. Sabes, não me estou a referir aqueles esboços que os nossos lábios fazem quando alguém nos acena, mas sim a um sorriso que nasce no coração e, não cessa mesmo que a expressão do rosto já não o expresse. Naquele dia, lembro-me que te recordei mais do que costumava fazer. Revi-te e sorriste quase que troçando da minha expressão zangada. Sabias sempre como mudar o meu humor, e isso foi algo que sempre me custou a admitir.
Lembro-me das manhãs serenas de domingo em que, ao acordar, já tinhas tudo preparado e estavas com aquele teu olhar entusiasmado, como se fosses uma criança e estivesses pronto para te divertires o dia todo. Eram raros os dias em que trancavas o olhar e não me deixavas adivinhar o que te inquietava, contudo, até nesses momentos me conquistavas. Nunca to disse, é verdade, mas porque nunca me deixaste pôr em palavras o que sentia por ti. Antes da tua partida, sempre que te escrevi, senti necessidade de deixar para o lixo cada letra que rabisquei pois eram demasiado insignificantes e não te valorizavam o suficiente. Agora, bem, agora guardo tudo o que me faz lembrar te ti, guardo todas as palavras que o meu coração escreve e, sempre que o faço, sinto-me a teu lado. É como se te voltasses a sentar a esta mesa, e eu me aconchega-se a teu lado. Nesses momentos em que a ilusão se apodera de mim, a mesa já não me parece desgastada, já não sinto a ardor dos meus olhos sempre que te desenho na minha mente, a garganta desprende-se e grita de felicidade sempre que pensa sentir-te perto. Sabes, esta não será a última carta que te escrevo, porque não quero trancar o meu coração, nem quero deixar de te falar. Mas esta será a última carta em que choro, porque me ensinaste que o sorriso é a melhor forma de vencer a vida.
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